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Game over? Maioria dos candidatos não gosta de jogos no processo seletivo

Mas gestores de RH veem os games como uma boa ferramenta para avaliar profissionais. E ambos estão certos — entenda a polêmica

Por Karina Sérgio Gomes
Atualizado em 12 set 2022, 17h36 - Publicado em 5 ago 2022, 07h10
Jogo de tabuleiro Merv com três peões coloridos
 (Christopher Paul High/Unsplash/Divulgação)
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ma metodologia ágil, lúdica e divertida para selecionar com precisão os melhores talentos para as suas vagas. É o que prometem os processos seletivos gamificados. Mas será que os candidatos veem com os mesmos bons olhos das equipes de recrutamento e seleção o uso de jogos ao se candidatarem para uma vaga? Em maio, a Mindsight, empresa de tecnologia para recursos humanos, realizou uma pesquisa — divulgada com exclusividade por VOCÊ RH — com 3.397 pessoas sobre processos seletivos. A maioria dos participantes, 76%, classificou a experiência com ferramentas de gamificação como indiferente ou ruim.

“O intuito dos jogos é relaxar, aliviar o tédio. O processo seletivo desencadeia outros sentimentos, como ansiedade. Nesse momento, o candidato quer ser valorizado e ter algum nível de controle”, afirma Thaylan Toth, CEO da Mindsight, justificando a alta porcentagem de pessoas (63,4%) que preferem a boa e velha entrevista presencial — etapa em que os candidatos têm a sensação de controle de suas respostas. “O que as pessoas notam de negativo em processos gamificados é a falta de transparência. Por ser uma ferramenta muitas vezes lúdica, os candidatos podem não compreender a finalidade de cada etapa”, diz Thaylan.

Álvaro Machado Dias, neurocientista e professor livre-docente da Unifesp, concorda com essa avaliação. “A questão tem muito mais a ver com cuidado. As pessoas sentem que os processos seletivos as tratam como commodities. As etapas não têm objetivos claros que deem aos candidatos a oportunidade de mostrar o que podem trazer de melhor”, afirma. De acordo com o professor, os profissionais precisam sentir que foram avaliados de acordo com as funções que ocuparão no cargo pretendido. “O grande problema não são os jogos, mas a baixa validade ecológica dos exames, ou seja, a compreensão do candidato sobre o que foi avaliado no exame e seu entendimento sobre as habilidades requeridas para a função na prática.”

O neurocientista acredita que os games devem prosperar na área de recrutamento e seleção, mas como simuladores. “As entrevistas presenciais são carregadas de vícios empáticos e ligados a projeções intersubjetivas dos entrevistadores. O mercado está cansado disso. Os candidatos estão cientes desses vícios e mais interessados em encontrar processos seletivos que tenham menores vieses pessoais”, afirma. Para o professor, seleções que envolvam etapas com simulações reais do dia a dia da função terão avaliação mais positiva dos candidatos e serão mais assertivas na seleção dos profissionais.

Chance para quem está começando

A L’Oréal é uma das pioneiras no uso de processos gamificados para recrutamento e seleção de estagiários e trainees — está há cerca de dez anos usando jogos em processos seletivos. “Os jovens, que estão em busca de seu primeiro emprego ou estágio, costumam ter pouca experiência profissional. O que eles mais têm a mostrar é o seu potencial de desenvolvimento nas empresas. Acreditamos muito nos processos gamificados na seleção de vagas de entrada”, afirma Fabile Migon, diretora de talentos da L’Oréal. “O game é lúdico, dinâmico, divertido, e com ele conseguimos avaliar características e comportamentos importantes dos candidatos de uma forma mais acertada do que conseguiríamos em entrevistas individuais.”

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Devido à utilização de games virtuais, a L’Oréal ampliou a abrangência dos processos seletivos. No programa Brandstorm, voltado para estudantes, os candidatos podem se conectar com pessoas do país inteiro para formar suas equipes. “Neste ano, tivemos uma jovem de Manaus que se integrou a pessoas de São Paulo. Em 2020, contratamos uma pessoa de Brasília para o nosso programa de estágio”, afirma Fabile. “Desta vez, orientamos ainda aos grupos que pensassem na equidade de gênero — para não formar times só com mulheres ou só com homens.” Pelo programa Brandstorm, a L’Oréal recruta estagiários, trainees, analistas e assistentes de nível júnior.

Em 2021, a Ambev anunciou a utilização de etapas gamificadas do processo seletivo de trainee no metaverso. “Não é para todo público que a gamificação funciona”, ressalta Nathalya Crisanti, gerente de desenvolvimento de carreiras da Ambev. A empresa costuma usar essa ferramenta apenas na seleção de trainee e estágio, em que recebe um número de inscrições acima de 100 mil. Em casos de contratação de pessoas para vagas específicas em nível de gerência, coordenação e diretoria, a Ambev prefere contratações via headhunters. “Os games fazem sentido quando eu tenho um grande volume de inscritos e preciso avaliar as pessoas de maneira eficiente, inteligente e correta para as vagas que eu tenho”, afirma Nathalya. Visto que a maioria dos alunos de cursos de exatas eram homens, a etapa de avaliação com testes matemáticos de lógica acabava privilegiando pessoas do sexo masculino. A fim de melhorar a diversidade de gênero entre os selecionados, a Ambev trocou o teste de lógica por um jogo mais lúdico, capaz de avaliar melhor as habilidades de raciocínio lógico e emocionais dos candidatos. “Pelo jogo no metaverso, de uma maneira lúdica e mais rápida, conseguimos apresentar a nossa evolução cultural e mostrar as competências que buscamos em cada candidato, ao mesmo tempo que eles, ao participar, já eram testados”, explica.

Outra preocupação da equipe de seleção é a transparência. Para ajudar os inscritos a entender todas as etapas do processo e o que está sendo avaliado em cada uma delas, a Ambev produziu uma série de lives para preparar os candidatos. A pesquisa da Mindsight aferiu que 48% das pessoas se incomodam com a falta de transparência das empresas sobre as etapas dos processos seletivos. As devolutivas para os candidatos reprovados da Ambev, segundo Nathalya, têm alguns níveis de personalização. De acordo com o que foi avaliado no processo, os participantes recebem uma resposta sobre o que precisam melhorar, com indicação de textos, livros, vídeos, filmes e podcasts, caso queiram se candidatar no próximo ano.

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Alternativa para processos massificados

Se o uso de processos gamificados se mostra como uma boa opção para o recrutamento de jovens talentos, o mesmo impacto não é sentido para a seleção de profissionais com mais experiência. “A utilização de games para vagas seniores costuma tornar os processos pouco atrativos. O principal motivo é a demanda de tempo. As pessoas que estão procurando por recolocação não têm tanto espaço na agenda para participar de processos demorados”, afirma Julia Tomas, gerente sênior da Page Outsourcing.

Apesar de os processos gamificados parecerem pouco atrativos para posições de liderança, eles podem funcionar quando é preciso selecionar uma quantidade significativa de profissionais. “Em processos massificados, a gamificação ajuda a fazer a avaliação da parte técnica e comportamental, economizando dias e até semanas de todos os envolvidos”, diz Julia.

Nesses casos, a gerente recomenda o desenvolvimento de games personalizados para cada área, simulando as funções que deverão ser desenvolvidas pelos profissionais, e que também possam ser usados para avaliar as habilidades comportamentais dos candidatos. “Se você não criar um jogo focado no que avalia tecnicamente, a possibilidade de os candidatos sentirem que não estão sendo avaliados de acordo com sua experiência é muito grande”, afirma.

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Outro ponto importante é criar plataformas online que não exijam dos candidatos a instalação de softwares ou aplicativos e possam ser acessadas tanto do computador quanto do celular. “Algumas pessoas utilizam apenas o computador da empresa, outras podem ter máquinas pessoais com pouca memória disponível. Qualquer dificuldade imposta aos candidatos pode fazer com que o recrutamento tenha baixa aderência”, avalia Julia. Ela indica ainda, para esses casos, realizar os processos em horários alternativos — por exemplo, após as 18 horas.

Próxima fase

Estudo exclusivo realizado pela Mindsight com 3.397 pessoas em maio de 2022 revela os desafios das empresas na seleção de profissionais. Os respondentes haviam participado de processos nos meses anteriores à pesquisa e se identificaram como pretos ou pardos (50%), brancos (49%) ou amarelos e indígenas (1%) — 51% homens, 48% mulheres e 1% não-binário e outros gêneros. Veja os dados:

  • 48% indicam que falta transparência das empresas sobre as metodologias aplicadas no processo seletivo
  • 59% apontam que não recebem retorno dos recrutadores
  • 16% dizem que a descrição das vagas anunciadas é incompleta
  • 13% afirmam que é preciso reduzir as etapas virtuais
  • 13% consideram que falta clareza nas fases de seleção

Os tipos de processos seletivos mais apreciados pelos candidatos

  • 63% preferem entrevistas presenciais
  • 59% aprovam entrevistas online
  • 26% gostam dos games
  • 25% acham as dinâmicas de grupo ideais
  • 16% preferem os vídeos de apresentação
  • 76% classificam a experiência com ferramentas de gamificação como indiferente ou ruim

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Esta reportagem faz parte da edição 81 (agosto/setembro) de VOCÊ RH.

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