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Empresas antirracistas: como avançar na inclusão de pessoas negras

Cresce o número de vagas afirmativas voltadas para pessoas negras — mas é preciso ir além. Saiba quais ações têm levado as companhias a avançar na questão

Por Bárbara Nór
Atualizado em 6 out 2022, 09h08 - Publicado em 3 jun 2022, 06h40
Homem negro com os braços cruzados olha para a câmera e sorri
Eduardo Alves, sócio da PwC: programa de aceleração contempla 50 pessoas negras com potencial para a liderança /  (Divulgação/VOCÊ RH)
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m 2020, ainda em confinamento, o mundo assistia à morte de George Floyd, um afro-americano vítima do racismo e da violência de um policial branco. A série de protestos que se seguiu, com o movimento Black Lives Matter (“vidas negras importam”), fez com que a pauta antirracista ganhasse força no mundo todo. “Esse foi o chacoalhão das empresas no Brasil”, diz Patrícia Santos, CEO e fundadora da EmpregueAfro, consultoria de RH e diversidade étnico-racial. “As manifestações, a pressão das redes sociais e o medo do cancelamento fizeram o tema crescer”, afirma. Até 2019, a média de empresas que procuravam a consultoria para implementar ações corporativas era de cerca de 60 por ano. Em 2020, o número passou de 300 e, em 2021, ultrapassou 700.

Mas o cenário ainda é difícil. Mais da metade da população brasileira é negra, embora ocupe apenas 4,7% da liderança nas grandes empresas — considerando apenas mulheres negras, o percentual é de 0,4%. Os dados são do último censo do Instituto Ethos, feito com 500 grandes companhias no Brasil em 2016, mas seguem atuais.

Um censo da Gestão Kairós, consultoria de diversidade, feito com 26 mil respondentes e divulgado em 2021, mostrou que o percentual de negros em cargos de gerente ou acima não melhorou em relação a 2016. Tampouco o percentual de negros no quadro funcional teve mudanças significativas, ficando em 33% para homens negros e 8,9% para mulheres negras. Se existe o interesse em mudar esse cenário, a dificuldade é convencer as empresas a abraçar projetos ambiciosos. “Muitas decidem fazer algo mais básico, como uma palestra ou divulgação de algumas vagas afirmativas”, diz Patrícia. Mas os desafios iriam muito além: se normalmente se fala na necessidade de uma transformação cultural nas organizações, nesse caso trata-se de uma mudança que envolve a própria cultura brasileira.

Barreira fundamental

Segundo Alessandra Benedito, coordenadora da área de equidade do Núcleo de Justiça Racial e Direito da Fundação Getulio Vargas em São Paulo e consultora de diversidade, o racismo é estrutural, ou seja, algo sistêmico e que envolve questões de ordem econômica, cultural e da organização social. Assim, há uma naturalização da discriminação em todas as esferas. “É preciso entender que as organizações são parte da sociedade, e os problemas de fora são também os de dentro”, diz.

Fazer isso implicaria o envolvimento e a responsabilização de todos na empresa – do conselho aos funcionários. Mas, por muitos anos, vivemos o mito da democracia racial, isto é, a ideia de que no Brasil não existe preconceito, e sim uma convivência harmoniosa. “Nossa sociedade é racista, mas tem dificuldade de se ver como tal”, diz Alessandra.

Muitas empresas esbarram também nas diferenças de acesso à educação. “A população negra levou séculos para ter o direito de estudar, e o impacto disso existe até hoje”, diz Ana Minuto, cofundadora do evento de inclusão Potências Negras e especialista em diversidade. “O jovem negro tem que continuar estudando, dar conta da casa, ajudar a família no aluguel.” Para ela, tanto o governo quanto as empresas têm responsabilidade em ajudar a garantir equidade.

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Essa é a percepção também de Gustavo Galá, presidente da Johnson & Johnson MedTech e líder da área de diversidade, equidade e inclusão da empresa. Um dos projetos da J&J é o SoulAfro Axé, iniciativa de desenvolvimento pessoal e profissional lançada neste ano que vai contemplar 90 pessoas negras: 30 estudantes do ensino médio, 30 da universidade e 30 funcionários da J&J. O objetivo é oferecer, durante pelo menos três anos, apoio de infraestrutura, como alimentação, internet, equipamentos e mobiliários necessários para estudar, além de mentorias e treinamentos. “A ideia é que esses jovens possam ser contratados por nós ou por outra companhia e tenham oportunidades de carreira”, diz Gustavo.

A companhia vem também passando por uma alfabetização racial, com aulas mensais com educadores sobre questões étnico-raciais. Em 2020, foram cerca de 200 pessoas por encontro, e as aulas seguem disponíveis online. O programa teve continuidade em 2021. Agora, funcionários que fazem parte de minorias também têm a oportunidade de fazer mentoria com a liderança da J&J. Além disso, exigências como o inglês para processos seletivos de estagiários foram eliminadas — a empresa oferece cursos para os que ingressarem sem o idioma.

Da teoria à prática

Para os especialistas, apenas focar em trazer pessoas pretas dificilmente trará resultados para as organizações. “Você até pode contratar, mas há o risco de elas não ficarem porque a cultura não foi revista e o ambiente não é inclusivo”, diz Ana Minuto, do Potências Negras. Embora importantes, as vagas afirmativas não devem vir de forma isolada. “É preciso que a pessoa negra possa ser reconhecida como alguém que sabe fazer e entregar.”

Mas, com frequência, profissionais negros são vistos como menos capazes. Essa percepção é, muitas vezes, inconsciente, o que acaba gerando resistências ainda maiores para a mudança, sobretudo na média gestão. “A alta liderança participa dos treinamentos, pede orientação de como falar ou se comportar”, diz Patrícia, da EmpregueAfro. Por outro lado, quem faz as contratações no dia a dia acaba sendo a maior barreira. “Muitos boicotam as ações do RH e trazem recusas para a admissão de profissionais diferentes deles”, afirma.

Para ela, a saída passa por impor as mudanças de cima para baixo. Ter metas de diversidade atreladas a bônus ou a critérios de promoção seria uma forma de demonstrar a importância do tema. Além disso, é preciso insistir em treinamentos para gestores.

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Contexto importa

Segundo Ana, outro problema é usar a mesma régua para avaliar as pessoas na organização. Espera-se, ela diz, que uma pessoa negra aja como uma branca, sem considerar as diferentes vivências de cada um. Muitos, por exemplo, começam a faculdade mais tarde e raramente estão nas universidades mais visadas pelas empresas. Eles também têm menos oportunidade de aprender inglês e muitos moram longe dos centros, em comunidades ou na periferia. Letícia Rodrigues, sócia-fundadora da consultoria de diversidade Tree, comenta que a história de boa parte dos profissionais negros não é valorizada no processo seletivo e acaba nem sendo vista pelas empresas. “Eles aprendem habilidades de outra forma, como ao começar a trabalhar desde cedo e ao passar por outros tipos de desafios, coisas que ficam de fora dos critérios.” Fazer com que essas questões sejam levadas em conta pelos gestores é, muitas vezes, o maior entrave para a inclusão.

Na PwC, empresa de consultoria e auditoria, esse tem sido um dos maiores desafios. Desde 2018, a empresa tem estipulado metas de contratação de pessoas negras, o que gerou uma série de campanhas de conscientização. Segundo Eduardo Alves, sócio da PwC, é mais fácil para a alta liderança ter uma visão de longo prazo. Já o gerente não necessariamente verá o sentido da diversidade para a carreira dele. “Precisamos que ele entenda que essa é a postura da empresa e que ele deve abraçar isso”, diz Eduardo.

Por isso, nos primeiros anos, as entrevistas eram acompanhadas por um voluntário de diversidade da PwC, em uma espécie de auditoria para ver se a decisão do gerente havia sido justa, e não motivada por vieses inconscientes relacionados às pessoas negras. Agora, afirma Eduardo, isso não é mais necessário. No último ano, a PwC atingiu 40% de contratações de pessoas negras nos programas de trainee. Em 2018, esse índice era de 8%. “Para nós, colocar metas é uma maneira objetiva e eficaz de trabalhar a questão”, diz.

Outra ambição de Eduardo, único sócio negro da PwC no Brasil, é aumentar a presença de pessoas negras na liderança. Para isso, um programa de aceleração para profissionais negros foi lançado em 2021. Já na segunda edição, a iniciativa seleciona cerca de 50 analistas negros com potencial para a gestão. Eles passam por mentoria e treinamentos e têm acesso a cursos de inglês. Além disso, eles têm letramento racial, assim como os sócios da empresa. Para Eduardo, o letramento é importante para o profissional negro ter mais ferramentas para se posicionar diante de discussões sobre o tema.

Outra ação da PwC é criar eventos para reunir os profissionais negros da companhia, convidando uma personalidade negra de destaque no mercado para conversar com os participantes. “Isso aumenta o senso de pertencimento e representatividade”, diz Eduardo. “Precisamos de profissionais articulados, que falem em reuniões e exponham suas ideias, e isso só vai acontecer se eles se sentirem pertencentes.”

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Conhecer para agir

Programas para alavancar a carreira de pessoas negras ajudam a atacar outro problema: a distribuição delas nos cargos. “Muitas vezes mostramos para a empresa que já há pessoas pretas no quadro, mas alocadas na base”, diz Letícia, da Tree. Segundo ela, é necessário entender em quais posições e áreas elas estão e mapear onde a presença delas seria mais estratégica. “Precisamos colocar essas pessoas em posições em que elas consigam influenciar e trazer sua opinião”, afirma Letícia.

O diagnóstico interno também é necessário para entender como esse público se sente. “Vemos uma alta liderança descolada da realidade, com pessoas que se deparam com um ambiente mais duro e hostil do que imaginavam”, diz Leizer Pereira, fundador da Empodera, startup de inclusão. Não é que os líderes desconheçam os problemas; a experiência deles é que é muito distante. “Vivemos em uma sociedade desigual e é natural que nos falte o entendimento do que é um ambiente de equidade”, afirma Leizer.

Muito do preconceito que ocorre nas organizações é no dia a dia. É comum, por exemplo, as pessoas terem presenciado ou sofrido piadinhas ou comentários jocosos e preconceituosos em uma interação informal. São microagressões, como diz Alessandra, da FGV. “Elas são naturalizadas pelos vieses inconscientes e geram um senso de que a pessoa não pertence ao ambiente”, diz.
Na medida em que não têm acesso às mesmas oportunidades e sofrem com avaliações enviesadas, as vítimas de preconceito podem ter problemas de autoconfiança. Como resultado, a entrega e o engajamento são comprometidos, assim como a saúde mental. “Muitos jovens pretos chegam ao mercado desacreditados da possibilidade de pertencerem àquele espaço”, diz Alessandra.

Gráficos mostram que a discriminação e o preconceito perpetuam uma série de desigualdades no Brasil, afetando, principalmente, pessoas pretas, pardas e indígenas
(Você RH/VOCÊ RH)

Inclusão da mulher negra

Na desigualdade, as camadas se sobrepõem: pessoas pretas com deficiência, LGBTQIA+ e mulheres são ainda mais vulneráveis ao preconceito e à discriminação. Isso foi o que despertou a atenção da BRK, empresa privada de saneamento ambiental. Em 2019, a companhia fez uma pesquisa para levantar o impacto da falta de saneamento básico.

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Segundo o IBGE, 44% das pessoas pretas ou pardas não têm acesso a saneamento básico, número que fica em 26,7% entre os brancos. Na pesquisa da BRK, os resultados mostram quanto as mulheres negras são afetadas. “Elas são as principais prejudicadas e as que mais perdem oportunidades de estudo, passando mais tempo no cuidado de casa e entrando num círculo vicioso”, diz Juliana Calsa, diretora e líder do GT Raça da BRK. Em média, o salário da mulher preta é menos da metade do salário de um homem branco, de acordo com o IBGE.

Os resultados levaram a BRK a avaliar os dados internos, que indicavam mais de 50% de funcionários negros, mas menos de 30% em posições de liderança, com mulheres em desvantagem. Até 2025, a meta é ter ao menos 40% de pessoas negras na liderança. Hoje são 34%.

Uma das iniciativas na BRK é um programa de aceleração de carreira para mulheres negras da companhia, já na segunda edição. Por enquanto, ele contemplou 37 profissionais de cargos a partir de supervisão até gerência, que passaram por treinamentos e oficinas de autoconhecimento, ancestralidade e autoestima. Da primeira turma, 30% foram promovidas. “Nesse programa elas passam a ter visibilidade e a ser reconhecidas”, diz Juliana.

A BRK também deixou de exigir o inglês de estagiários, e passou a treinar a liderança e as equipes de RH sobre o tema. Isso permitiu alcançar outras metas, como ultrapassar a marca de 56% de contratação de pessoas negras nos programas de estágio, que são acompanhadas mensalmente pela área de recursos humanos e convidadas a relatar como está sendo a experiência.
Para que esses programas possam ser bem-sucedidos, o engajamento da liderança é fundamental. “Ter pessoas aliadas internamente, que se comprometem com o assunto e entendem seu privilégio, é um grande diferencial”, diz Juliana. “Não dá para falar de desenvolvimento social do Brasil sem falar de raça.”

Seis passos à frente

Como melhorar a diversidade e a inclusão racial nas empresas:

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Mude a forma de contratar

Para serem mais diversas, as empresas precisam mudar os critérios de seleção e de promoção das pessoas. Exemplos são deixar de exigir inglês, ampliar o leque de faculdades e não excluir pessoas por causa do lugar onde moram

Acompanhe

É preciso avaliar o relacionamento das pessoas negras com os pares e a liderança, o senso de pertencimento, a integração em projetos e reuniões e os resultados. Se a pessoa sofre boicotes ou não se sente segura, a missão não foi cumprida

Promova um ambiente seguro

Para que pessoas pretas possam crescer na carreira, é preciso que elas se sintam pertencentes e em um ambiente seguro. Isso envolve desde ter um código de conduta com medidas específicas para casos de racismo até a promoção de espaços de diálogo

Tenha metas claras

É fundamental ter indicadores-chave de desempenho e objetivos estratégicos definidos para a organização, para a liderança e para quem faz a gestão do programa de diversidade. Sem isso, as ações da empresa podem se perder e não ter continuidade

Acelere o desenvolvimento

Programas de desenvolvimento focados em minorias ajudam a minimizar as diferenças históricas de acesso à educação. Além de hard skills, é importante trabalhar soft skills para que essas pessoas ganhem mais confiança e autonomia

Amplie o olhar

“Muitas vezes, a marca empregadora não conversa com pessoas negras”, diz Leizer, da Empodera. A estratégia de comunicação e atração da empresa precisa ser inclusiva e deixar claro que todas as pessoas são bem-vindas e desejadas na organização

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