Sobrecarga de trabalho é o que mais prejudica a saúde mental, diz estudo
Pressão por resultados e sentimento de precisar estar disponível o tempo todo são os outros gatilhos de agravamento, segundo entrevistados
sobrecarga de trabalho é o principal motivo de piora da saúde mental, segundo pesquisa do Talenses Group em parceria com a plataforma Wellz. De acordo com o relatório Saúde Mental pela Perspectiva das Pessoas Colaboradoras, 43% dos entrevistados citaram o excesso de tarefas como “gatilho” de crises, seguido por pressão por resultados e metas (31%) e sentimento de precisar estar disponível o tempo todo (30%).
No relatório, os 572 respondentes — quase metade é da geração Y; 34%, da X; 7%, baby boomers; e 10%, da Z — também citaram a falta de reconhecimento e falta de apoio por parte da liderança. Do total de profissionais que participaram do levantamento, 54% já sofreram com algum tipo de transtorno mental. Destes, 71% receberam o diagnóstico médico. Além disso, apenas 37% disseram ter recebido apoio de seus líderes.
Apesar de a maioria, 81%, começar a fazer terapia para recuperar a saúde mental, quase 36% tomaram uma atitude mais drástica, decidindo mudar de emprego. Alinhados com a liderança, 17% puderam mudar suas atividades para beneficiar a saúde e quase 15% tiveram que tirar uma licença médica.
Para Paul Ferreira, professor de estratégica e liderança na Fundação Getulio Vargas, o assunto vem ganhando maior importância, já que há uma tendência de longo prazo de crescente esgotamento dos profissionais brasileiros. Não à toa, a partir deste ano a Síndrome de Burnout passou a ser categorizada como doença do trabalho, o que é um grande ganho, sobretudo, para os profissionais. “Para os indivíduos que sofrem, é um reconhecimento de que não são os únicos, além de oferecer um espaço e um quadro legal para ser trazido para um fórum, discutido com outras pessoas, e solucionado por meio de tratamentos adequados”, afirma Paul. Para os gestores, a mudança exige mais atenção com o bem-estar das equipes. “Existe um risco dos líderes não quererem lidar com o que não é medido, parafraseando Peter Drucker [estudioso considerado pai da gestão moderna]“, diz.
A volta à empresa após a licença médica
Segundo dados do levantamento, 56% dos entrevistados conhecem alguém que se afastou da empresa por motivos de saúde mental. Desses, 40% disseram que, ao voltar à empresa, tudo continuou como era antes, sem mudanças para o bem-estar do funcionário. Pouco mais de 70% dos entrevistados concorda que as empresas oferecem mais ajuda a pessoas que adoecem por condições físicas, metabólicas, fisiológicas, doenças crônicas, do que por adoecimento mental.
Políticas e práticas em falta nas empresas
Pouco mais de 70% dos entrevistados sentem falta de um aconselhamento sobre o luto; 68% citam a falta de empréstimos ou subsídios de emergência; 67,5% sentem falta de programas completos de saúde mental, com mais do que atendimentos psicológicos, e quase 67% consideram que mindfulness, ioga, alongamento e práticas semelhantes poderiam beneficiar os funcionários. Para muitos dos entrevistados, há também uma grande necessidade de alinhamento efetivo com as lideranças.
“Sabemos que a prática de teleterapia ou consultas pontuais com psicólogos são mais difundidas dentro das empresas, no entanto as organizações não devem se limitar a esse tipo de assistência. É preciso olhar o ambiente de trabalho como um todo, cuidando principalmente das relações e da cultura que existem no dia a dia”, afirma Michael Kapps, CEO da Vitalk. Na gestão de uma empresa, o recurso mais importante e mais complexo de lidar é justamente o ser humano. Por isso, Michael cita questionamentos que podem ser feitos para que a gestão perceba se está sabendo lidar com esse recurso: “Os funcionários acreditam na empresa?”, “Estão alinhados aos valores e missões?”, “Estão satisfeitos com a sua função?”, sugere. “Não é simples, mas é essencial, pois é o termômetro ideal para saber se o clima organizacional é saudável ou se precisa melhorar. Afinal, um ambiente mais saudável proporciona também um trabalho melhor e mais produtivo.”
O papel da liderança
Ao serem questionados como as lideranças deveriam lidar com a saúde mental dos funcionários, a maioria dos entrevistados citou a maior transparência em relação à existência de benefícios que abordem o problema. Programas completos, que, além do atendimento psicológico, ofereçam treinamentos de conscientização do tema e mapeamento de índices de burnout e ansiedade também, deveriam existir.
Para Paul, da FGV, o que diferencia um líder dos demais é sua inteligência emocional. “Saber lidar consigo mesmo é importante, pois nosso comportamento influencia positivamente ou negativamente nas emoções dos outros. Agora, lidar com os outros pressupõe reduzir a insegurança econômica e o estresse, dar apoio às pessoas, avaliar e acompanhar o bem-estar dos trabalhadores, reconhecer as responsabilidades familiares dos funcionários — ajudando-os a conquistar um melhor life balance —, e examinar a possibilidade de trabalhar de novas maneiras, favorecendo atividades que agregam maior valor individualmente, para o time e para a organização. Isso não serve apenas durante a pandemia, mas o tempo todo”, afirma.
A influência da pandemia
Segundo Paul, se antes os transtornos dos funcionários estavam ligados ao trabalho, a pandemia trouxe outros gatilhos: anseios relacionados ao risco da doença, falta de perspectiva para traçar planos futuros, demissão, tristeza pela situação da sociedade ou pela perda de um ente querido.
Luiz Valente, CEO do Talenses Group, afirma que a pandemia também fez com que as organizações despertassem para o tema da saúde mental. “Com isso, muitas empresas conseguiram construir rapidamente ações para ajudar seus times a passar por essa turbulência, criando amortecedores e iniciativas com o objetivo de acolher, na medida do possível, as angústias das pessoas”, afirma. Por outro lado, o CEO ainda vê espaço para que a importância dada para o tema cresça ainda mais. “Vejo que ainda há muita oportunidade de realmente tornar este assunto prioridade. Nossa pesquisa mostrou que ainda existem muitas empresas que apenas comunicam, mas pouco implementam tais ações. Precisamos de menos discurso e mais prática”, diz Luiz.
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